Qui, 18 de abril de 2024, 14:19

Dados da UFS indicam reconhecimento de indígenas dentro da instituição
Temáticas relacionadas aos povos originários estão presentes em diversas ações acadêmicas

Nesta sexta-feira, 19, é celebrado o Dia dos Povos Indígenas, uma data para lembrar a importância da diversidade cultural e preservar a história desses povos. Na Universidade Federal de Sergipe (UFS), os povos indígenas se fazem presentes, tanto na graduação e pós-graduação, quanto como público-alvo de projetos educacionais voltados a essa temática.

De acordo com a base de dados da universidade, atualmente há 45 estudantes vinculados à UFS que se auto-declaram indígenas, número que pode ser maior, visto que o levantamento é feito com base no programa de cotas.

Aprovado para o curso de Medicina no Sisu 2024 para o Campus de Lagarto, Weverton Azevedo, natural de Pernambuco e pertencente ao povo Kambiwá, é um dos que estão chegando para ampliar a participação de indígenas nos quadros da UFS. “O acesso ao ensino superior muda tudo, já que 95% da minha família é totalmente analfabeta e a única geração alfabetizada foi a minha. Minha família sempre compartilhou esse sonho comigo, sempre tive total apoio e incentivo deles. Agradeço por ter a chance de mudar de vida, alcançado um curso na área que eu sempre desejei, por poder ter a possibilidade de me formar e ajudar a minha família, e, sobretudo, a minha comunidade, pois áreas indígenas não são prioridade quando se fala em acesso a saúde de qualidade”, relata o futuro aluno.


Weverton Azevedo estudará no Campus de Lagarto da UFS. (foto: Arquivo pessoal)
Weverton Azevedo estudará no Campus de Lagarto da UFS. (foto: Arquivo pessoal)

Ele destaca que está sendo o primeiro a entrar em uma universidade pública. “Minha mãe já havia feito um curso técnico de enfermagem, logo após entrou na faculdade, mas não conseguiu concluir. Depois disso, decidiu cursar Direito e concluiu em 2021. Há outros na família com curso superior, porém todos em universidades particulares e com o máximo de bolsa possível, pois não temos muitas condições financeiras. Então, quando eu decidi que queria cursar Medicina, minha família se martirizava e se entristecia por não conseguir pagar o curso, apesar de eu sempre dizer que só faria se fosse em uma universidade pública. Vou cursar Medicina em uma universidade federal, porque fui honrado e consegui a tão sonhada vaga em Medicina”, conta Weverton.

O futuro estudante lembra que a profissão de médico é um sonho que o acompanha desde criança. “Foi a primeira profissão que eu descobri que existia quando criança, ainda com dois anos de idade. Então, curioso que sou, comecei a fazer muitas perguntas sobre o que era ser médico. Descobri que ele salva vidas. Com dez anos descobri a cirurgia, que me agarrou de vez e nunca mais eu consegui me desprender. Então, esse sonho é literalmente um sonho de criança”, comenta.

Extensão

Para além de ter alunos indígenas, a Universidade Federal de Sergipe trabalha ainda com outras ações voltadas a esses povos, a exemplo do projeto ‘Medicina Veterinária sem fronteiras - ações extensionistas para o enfrentamento de doenças tropicais negligenciadas em povos originários no Alto Sertão sergipano’, cujo objetivo é desenvolver ações de educação em saúde para o enfrentamento dessas doenças em povos da etnia Xokó, residentes no município de Porto da Folha, em Sergipe.


Professora Glenda (blusa verde) e alunas da UFS durante ação do projeto "Medicina Veterinária sem fronteiras". (foto: Arquivo pessoal)
Professora Glenda (blusa verde) e alunas da UFS durante ação do projeto "Medicina Veterinária sem fronteiras". (foto: Arquivo pessoal)

Coordenado pela professora do Departamento de Medicina Veterinária do Campus do Sertão da UFS, Glenda Marinho, o projeto preza pela valorização e disseminação do conhecimento sobre o legado e representatividade indígena da comunidade Xokó em Sergipe. “Isso resulta na partilha de saberes, a exemplo da live ‘A importância da comunidade Xokó para o Alto Sertão Sergipano’, realizada em canal do YouTube, do projeto e da palestra ‘História e memória: subjetividades, de colonialidades e narrativas dos indígenas Xokó da Ilha de São Pedro/Caiçara do Alto Sertão de Porto da Folha, Sergipe (1978-2023)’, proferida durante a 9ª Semana Acadêmico-Cultural do Campus do Sertão por Ivanilson Xokó, historiador e membro da comunidade Xokó, sendo a primeira vez que um integrante da comunidade indígena realizou uma palestra em um evento da UFS”, ressalta Glenda Marinho.

“Esse projeto não é apenas para promover ações extensionistas, mas é também para aprender com a comunidade Xokó o significado da importância dos povos originários e como podemos nos preparar profissionalmente para atendê-los nas diferentes vertentes da Medicina Veterinária”, completa a professora.

Além do projeto coordenado pela professora Glenda, a Pró-Reitoria de Extensão (Proex), teve nove registros de eventos voltados para a temática dos povos indígenas.

Preservação da história

Quem também aborda as questões indígenas no âmbito acadêmico é o professor Vinícios Menezes, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação, coordenador do Comitê de Pós-graduação da Área de Ciências Sociais Aplicadas e professor do Departamento de Ciência da Informação. Ele está à frente do projeto "Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação Indígenas: uma perspectiva ameríndia para a transformação da Organização do Conhecimento".

Ele relata que, de acordo com as perspectivas coloniais dos saberes ocidentais, os conhecimentos tradicionais dos povos originários foram invisibilizados, marginalizados e, em muitos casos, destruídos. “Seja pelo epistemicídio e a caçada simbólica de tudo aquilo que não era europeu, seja pelo genocídio e a dizimação material dos povos indígenas, seja pelo ecocídio e o aniquilamento físico das ambiências naturais que acomodam as diferentes cosmologias dos povos indígenas em suas relações profundas com o mundo, fazer acessível a informação indígena é um ato contracolonial de preservação e promoção da memória dos saberes originários”, detalha o professor.


Vinícios Menezes é professor do Departamento de Ciência da Informação da UFS. (foto: Schirlene Reis/Ascom UFS)
Vinícios Menezes é professor do Departamento de Ciência da Informação da UFS. (foto: Schirlene Reis/Ascom UFS)

“Ao pontuar as inscrições indígenas por meio dos seus pontos de vista, desde uma perspectiva originária de ver, sentir, ler e escrever pela via dos seus modos, a gramática dos seus próprios mundos, atravessados pelas estórias de criação, pelas folhas, pelas árvores, pelos espíritos, pelos grafismos naturais e artificiais, pelos animais, enfim, por tudo aquilo que nos circunda, e que nós ocidentais, por conta da nossa formação humanística, deixamos de enxergar. Assim, neste mês de abril, de resistência e celebração dos povos indígenas brasileiros, lutemos para adiar o fim do mundo sempre com uma estória indígena a mais, como nos ensina Ailton Krenak, indígena imortal das letras brasileiras”, reforça Vinícios.

De acordo com a Coordenação de Pesquisa (Copes) da univerisdade, a UFS possui 11 professores coordenando projetos na área.

Feito inédito


Registro da primeira participação de um membro da comunidade Xokó em um evento da UFS. (foto: Arquivo pessoal)
Registro da primeira participação de um membro da comunidade Xokó em um evento da UFS. (foto: Arquivo pessoal)

Outra forma de valorização dos povos indígenas promovida pela UFS foi a participação de Lucimário Apolonio Lima, o Cacique Bá, da comunidade indígena Xokó, como integrante de uma banca de mestrado em 2020. Foi a primeira vez que um membro não acadêmico compôs uma banca de pós-graduação na UFS. Anteriormente, a universidade já havia reconhecido a relevância do Cacique Bá com a entrega do título de Grau Mérito Universitário em Saberes e Fazeres em Artes e Cultura Popular.


Cacique Bá é mestre em Saberes e Fazeres em Artes e Cultura Popular pela UFS. (foto: Arquivo pessoal)
Cacique Bá é mestre em Saberes e Fazeres em Artes e Cultura Popular pela UFS. (foto: Arquivo pessoal)

O Cacique Bá integrou a mesa como quarto membro, somando-se à formação obrigatória de outros três professores participantes. A existência de um quarto membro na banca foi regulamentada pelo Programa de Pós-Graduação em Culturas Populares (PPGCULT) da UFS, a fim de contemplar os chamados Mestres da Cultura Popular. A universidade confere o grau de Mérito Universitário Especial em Saberes e Fazeres, Artes e Culturas Populares para aquelas pessoas não detentoras de título acadêmico, mas que possam demonstrar ‘destacada experiência e produção nos diferentes saberes, fazeres e linguagens de todas as áreas de conhecimento, popular e tradicional’.

Andreza Azevedo - Ascom UFS


Atualizado em: Sex, 19 de abril de 2024, 11:52
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